Texto escrito por Igor Moreira
Não raras vezes retóricas sobre o futebol estão atreladas ao senso comum e são manifestadas em diversos lugares, como em rodas de amigos, locais de prática esportiva, entre tantos outros. Uma das falas mais recorrentes é que jogar futebol é fácil; como o jogador que só faz isso na vida, conseguiu a proeza de perder aquele gol; não se faz mais jogadores como antigamente. Essas e tantas outras falas de cunho popular, integram o mundo do esporte bretão.
Mas afinal, o que é esse jogador de antigamente? Por que não se faz mais jogadores como antigamente?
Nem de forma imperativa pretendemos concluir algo de tamanha complexidade, mas sim, buscar proposições sobre o esporte mais popular do mundo, nesse primeiro momento, com base em aporte teórico, trazermos elementos nas áreas da sociologia e antropologia que irão subsidiar a nossa tentativa de interpretar a forma única de se jogar futebol no planeta, ou ao menos já foi. E no próximo artigo levantar a “bola” da discussão, sobre o processo de “engessamento” do nosso futebol.
Apropriando da descontração do professor João Batista Freire, quando brincou que o futebol é o esporte mais difícil do mundo, porque bola está mais longe do cérebro do que em outras modalidades, ao menos que se refere a esportes coletivos. Saindo do campo da irreverência, o futebol é muito complexo por se jogar com os pés, sendo que a nossa coordenação de movimento historicamente é mais desenvolvida pelos membros superiores, a arte da caça e da pesca, que eram ações para sobrevivência humana, não nos deixa mentir.
O Brasil motivado pelo processo de escravatura começou desenvolver habilidades nos membros inferiores dos escravizados aproveitando a “bagagem cultural” que trouxeram pelo samba e a capoeira. Essas manifestações culturais serviram de certa forma para sobrevivência dos escravizados. O samba pela manutenção da cultura Africana e a capoeira, pelo ato de defesa desses que foram trazidos forçosamente para terras tupiniquins, mas que acabou influenciando a nossa maneira de fazer futebol.
Essas habilidades com os membros inferiores, ou essa “alegria nas pernas”, relembrando o treinador Felipe Scolari, o Felipão, foram preponderantes para construção da forma peculiar de jogarmos.
O jogo é oriundo da terra da rainha, mas o drible, a magia, a poesia chamado futebol é genuinamente brasileira. Bem como disse o antropólogo Roberto Da Matta (2006, p. 157) que o Brasil reinterpretou a forma de jogar futebol, pois para ele “O fato é que esse jogo britânico do ‘pé na bola’ foi reinterpretado no Brasil como a arte da 'bola no pé', o que mudou tudo”.
Ao contrário dos países europeus, no Brasil o clima tropical fez com que colocássemos a bola ao chão e exalássemos todo o nosso talento, com arte da bola no pé, em processe antagônico ao velho mundo, que necessitava dos jogos aéreos, devido as neves que pairavam em seus campos.
O futebol deixara de ser apenas um esporte e adentrava ao campo da arte, da plasticidade, e de forma poética. O discutido sociólogo brasileiro Gilberto Freyre, autor do clássico “Casa grande e senzala”, proliferou as seguintes palavras:
[…] O nosso estilo de jogar futebol parece-me contrastar com o dos Europeus, por um conjunto de qualidades de surpresa, de manha, de astúcia, de ligeireza e, ao mesmo tempo, de brilho e de espontaneidade individual em que se exprime o mesmo mulatismo de que Nilo Peçanha foi até hoje a melhor afirmação na arte política. Os nossos passes, os nossos pitus, os nossos despistamentos, os nossos floreios com a bola, há alguma coisa de dança e de capoeiragem que marca o estilo brasileiro de jogar futebol, que arredonda e às vezes adoça o jogo inventado pelos ingleses, e por eles e por outros europeus jogados tão angulosamente, tudo isso parece exprimir de modo interessantíssimo para os psicólogos e sociólogos, o mulatismo flamboyant e, ao mesmo tempo, malandro que está hoje em tudo que é afirmação verdadeira do Brasil. (FREYRE, 1938, apud MARANHÃO, 2006, p. 441).
Contudo essa idiossincrasia brasileira de jogar futebol foi se perdendo com passar dos tempos, o esporte bretão adentrou a lógica de mercado e as mutações do estilo brasileiro de jogar tornaram- se inevitáveis.
Mesmo com as metamorfoses ou evolução do futebol, a paixão por esse esporte mantém-se em lugar privilegiado em nossos corações. Como a plasticidade de um jogo, a semântica de Canale (2012) para se referenciar ao futebol, resumo todo o sentimento o que é “jogar bola”:
As emoções mais viscerais que em primeiro lugar vêm à minha mente são as do futebol. Os jogos que eu joguei, aqueles à que assisti, moram em lugares que variam do obscuro aos mais luminosos da minha memória. Sentir o coração parar de aflição segundos antes de uma cobrança de pênalti, esquecer-se das agruras da vida com o prazer de um gol, de um título, se sentir mais vivo só de saber que em algum lugar existirá um futebol, bem ou mal jogado, te esperando, tanto faz, pois lá estará uma bola rolando no chão. (CANALE, 2012, p.17).
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