Texto escrito por Igor Moreira
No feliz e importante artigo do professor Jociamar Daolio “A construção da cultura do corpo feminino, ou o risco de transformar meninas em ‘antas’”, ele inicia relatando um episódio quando lecionava educação física escolar, em aula que corria dentro da normalidade, quando um lance lhe despertou a atenção, após um saque no voleibol, sua aluna ao errar a recepção, rebela contra si, proliferando o seguinte dizer: “por que sou uma ‘anta’”? (DAOLIO, 2003, p.107).
Esse substantivo feminino anta, de conotação de não capaz, “burro”, “idiota” entre outros adjetivos depreciativos que se manifesta de forma subjacente, ou explícita, quando ocorrido em aula, essa questão se faz necessário estar no âmago da discussão, mediado e problematizado pelo professor.
Perante a fala da sua aluna, Daolio (2006) faz uma reconstrução teórica, aportando-se na cultura para entender algumas diferenças entre meninos e meninas no que tange a cultura corporal de movimento.
Ao analisar a educação dada aos meninos em relação ás meninas, por si só já responde a indagação da garota que se martirizou em decorrência de um erro, mas para tanto, cabe a nós trazer alguns elementos dessa discrepância educacional, conjuntamente com o referencial teórico de Daolio (2006).
Alguns segregacionistas tentam solidificar-se na biologia para sustentar diferenciações entre meninos e meninas na prática da atividade física, mas não consideram todo o processo que vem desde a descoberta do sexo do bebê. Quando menino, em especial o pai, já o projeta como o novo “melhor do mundo”, seus sonhos e anseios são para que seu filho se construa a partir do futebol e com isso ao nascer, presentes inerentes a modalidade já ganham destaques em seu quarto e de forma ao contrária, quando é menina, o ideário da princesa pairam entre os pais. Pouco se vê pai e mãe projetando, ou vislumbrando filha esportista.
Diante a esses cenários o estímulo a cultura corporal de movimento fica quase que perene aos meninos, com seus brinquedos vinculados a prática esportiva, e para as meninas coaduna o sonho dos castelos, da intelectualidade, atrelado aos afazeres domésticos e a maternidade, representado pelo imaginário social, das “panelinhas”, “casinhas”, “vassourinhas” e “bonecas”.
Mas mesmo diante dessa cultura que vivemos, não podemos incorrer no erro e afirmar que as práticas corporais exitosas são de exclusividade masculina; como bem disse Daolio (2003, p.108) “[...] nem todas as meninas são inábeis e nem todos os meninos são hábeis”.
Diante a construção dessas subjetividades, do “esportista” e da “princesa” as ações iniciadas “na” e “pela” família são preponderantes para as diferenças de acervos motores. Aos meninos são permitidos o brincar intensamente na rua (quando existe a rua), são estimulados a irem nas escolinhas de esportes, mais do que as meninas. Esses tratamentos distintos são os principais fatores para que os meninos, em números, sejam mais “hábeis” do que as meninas.
Com base nos meus doze anos de experiência na educação física escolar, é notório que com o passar dos anos, aumentem essas diferenças e essas no ciclo 1 são quase irrisórias, tornando-se mais perceptíveis no ciclo 2; isso nos leva a considerar que a construção de “antas” adentram ao campo cultural em detrimento ao biológico.
E importante salientar que mesmo diante ao que foi apresentado, existem muitas práticas corporais que há êxitos maiores entre as meninas, como por exemplo as atividades rítmicas e expressivas, e podemos afirmar o que distingue meninas e meninos nessas práticas também é a cultura.
Dentro de uma cultura machista como a nossa, se o garoto buscar atividades relacionadas a determinadas danças, o preconceito passará pela sua vida em algum momento, de igual forma, quando uma garota se permite a aventurar-se, desde pequena, ao mundo do futebol ou futsal.
Dois pontos devemos explanar: 1) estamos falando sobre a cultura brasileira; 2) em concordância com Daolio (2006, p.110) quando diz: “não pretendo aqui propor que haja uma construção idêntica dos corpos dos homens e das mulheres”, ou seja, é de claro consenso a existência de diferenças, o que se pretende é entender essas manifestações, para que possamos contribuir da melhor maneira possível na formação das nossas alunas e alunos, oferecendo as mesmas possibilidades de práticas corporais.
Fecho esse breve texto parafraseando Daolio (IDEM, p.118):
Desta forma, meninos e meninas poderão fazer aulas conjuntamente sem nenhum tipo de constrangimento e a educação física não estará mais contribuindo para a criação de “antas” [...] nem de “trogloditas”.
O professor Igor Moreira é mestre em Políticas Sociais e docente no curso de educação física da Escola Superior de Cruzeiro - ESC.
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