quarta-feira, 16 de dezembro de 2020

Meninas, não desistam!


Texto escrito por Rubens de Castro

Sou professor de Educação Física da rede pública municipal em Caraguatatuba e adoro contar histórias sobre as raízes do esporte e uma de minhas favoritas é a lenda grega da Kallipateira. Uma história intrigante que tem como protagonista uma mulher corajosa que se sujeita a correr risco de morte para que seu filho Peisidoros pudesse participar das Olimpíadas e assim consagrar-se campeão. Porém, Kallipateira, segundo a lenda,  desrespeita uma regra sagrada da época: “mulheres eram sumariamente proibidas de adentrar à arena dos jogos sob pena de serem atiradas do penhasco de Tipayon”, um espetáculo suntuoso que a maioria dos gregos adorava, principalmente os homens. Deixarei (caso não conheça) que a curiosidade sobre os relatos desta bela prosa possa lhe provocar a curiosidade para que logo pesquise e aprecie alguns parágrafos e desvende o desenrolar desta tragédia grega, ainda que esportiva. De qualquer forma ilustra-se uma realidade sobre a participação das mulheres na sociedade daquela época que por vezes é repetida sobre panos de fundo preconceituosos, excludentes e elitistas até os dias de hoje.

Façamos um paralelo bem realista e próximo. Quantas mulheres são técnicas de futebol masculino profissional? Quantas mulheres são técnicas de equipes profissionais masculinas de qualquer modalidade? Esta realidade não trata-se de uma exclusividade brasileira, a mulher e a condição feminina parecem não fazer parte do protagonismo esportivo de nosso tempo em praticamente todos os países. Sim houveram avanços significativos e a mulher é cada vez mais integrada e reconhecida em todas as esferas esportivas tanto nos “campos” quanto nos meios administrativos. Mas é suficiente? Mulheres já foram meninas um dia e amanhã  serão mulheres e como será isso no futuro? 

Uma pesquisa recentemente divulgada da ONG Plan Action que promove entre outras ações os direitos da crianças e a igualdade para as meninas, mostra que 49% delas desistem do esporte antes do término da adolescência e o maior motivo é a crença de que a prática esportiva leva a masculinização. Entre outros motivos que não estão contabilizados nesta pesquisa estão a questão religiosa, a falta de apoio, estrutura familiar e também as oportunidades que são desproporcionais, principalmente, nas periferias e comunidades mais pobres em todos os cantos do Brasil. Há muito mais opções aos meninos.

Muitas destas meninas, ao chegarem lá pelos seus 13 ou 14 anos, idade ideal para se iniciar ou se aperfeiçoar em alguma modalidade, se deparam com uma realidade familiar onde os afazeres domésticos lhes são praticamente exigidos. Tomar conta dos irmãos menores, cuidar da casa, das roupas, quando não são “abduzidas” por promessas de sucesso em outras áreas principalmente aquelas massificadas pelas mídias que buscam a sensualização como forma de, covardemente, influenciar nossas pequenas mulheres do futuro a se portarem como objeto da masculinidade.

Na mesma pesquisa da Plan Action também são divulgados dados que apontam que mais de 70% da meninas em idade escolar querem aprender e praticar algum tipo de esporte, portanto, a taxa de desistência em relação aos meninos pode ser de até cinco vezes maior. Somando-se ainda aos apelos “digitais de nossa era” que com seus smart-phones, tablets e infinitos conteúdos da web que colaboram para que o estímulo da prática esportiva seja ofuscado e substituído pelo conforto estático que estas mídias proporcionam.

Não propositalmente, em 2017 iniciei dois Projetos de Basquetebol em minha Escola onde meninos e meninas entre 12 e 14 anos, separadamente participavam das aulas de iniciação. A turma feminina iniciou com cerca de 40 alunas e a masculina com 30 alunos. Ao final de três anos éramos quase 50 no masculino e apenas 6 meninas continuaram a praticar e enxergar um futuro na prática, fosse pela promessa de uma carreira ou de se conquistar uma faculdade, de interagir com os amigos ou mesmo pela vida saudável que a prática pode oferecer. As outras, saíram pelos motivos apontados na referida pesquisa. Coincidência?

Estas questões devem servir para que possamos refletir e discutir nossas práticas e políticas, consequentemente, preservar um patrimônio a médio e longo prazo, em especial, as nossas atletas que antes de tudo são mulheres e que um dia foram meninas.


O professor Rubens de Castro atua na Educação Física Escolar na rede municipal de Caraguatatuba SP, Técnico de Basquetebol e Gestor Educacional e Esportivo. Autor dos livros “Para que serve a Escola” (2003) e “Rios Brilhantes” (2020).


O Instituto Esporte Vale atua na formação de profissionais competentes para o ensino do esporte. 

www.ievale.com.br


Acreditamos no poder transformador do esporte. 

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